Contando a história de mulheres, principalmente no basquete
Aprender mais? Sim, por favor!
!!!!! A edição de hoje da newsletter tem um significado especial para mim. Vai ser longa, mas não desiste! Cada parte é muito importante. Na introdução pude contar de modo bem breve a história de duas mulheres que me inspiram muito e nunca tiveram a oportunidade de serem reconhecidas em seu tempo. Em seguida, quando entrarmos no tema principal, conto sobre um projeto pelo qual me apaixonei à primeira vista (o Mulheres à Cesta) e uma autora que é uma inspiração para a minha vida profissional. Para quem não sabe, tenho projetos de livros sobre basquete feminino que vou conseguir colocar em prática em breve. Então, poder ter conversado com ela, Claudia Guedes, foi uma honra e um aprendizado sem tamanho. Obrigada, Claudia, pelo tempo disponibilizado para essa entrevista, que acabou sendo uma conversa muito prazerosa. !!!!!
Olá amigos, tudo bem?
Antes de eu seguir em frente, quero saber de vocês: leram a newsletter com temática sobre a falta de diversidade na NBA? A liga masculina ainda tem muito a fazer, e apesar dos jogadores homens receberem muito mais mídia quando promovem atos de igualdade, a WNBA vem fazendo isso há muito mais tempo.
Para quem acompanha História, sesse fenômeno não é novidade. Quando uma mulher faz algo extraordinário, sua ação é invalidada ou desmerecida. Enquanto isso, os homens a sua volta recebem reconhecimento e premiações pelo mesmo trabalho.
Um exemplo é Camille Claudel, aprendiz e amante do aclamado escultor francês Auguste Rodin. Apesar de a jovem francesa ter sido fonte de inspiração e executado grande parte do acervo de seu interesse amoroso, durante muito tempo sua fama foi carregada como a de uma mulher louca, por ter personalidade forte e decidida.
Camille Claudel no ateliê de Auguste Rodin trabalhando em uma de suas obras
Sua história terminou de maneira trágica. Aos 49 anos, após denunciar Rodin por roubar suas ideias e ameaçá-la de morte, foi internada em um manicômio pelo seu próprio irmão, alegando loucura e esquizofrenia. Camille Claudel viveu presa na unidade por 30 aos, até sua morte.
Infelizmente, essa tipo de sequência de fatos foi muito comum durante muito tempo. Ainda hoje, mulheres são tidas como loucas, exageradas, emotivas e até mesmo egocêntricas quando simplesmente querem ser reconhecidas por seu trabalho de maneira justa.
No começo de julho eu tive a oportunidade de assistir o musical Hamilton (Disney+), baseado na vida de Alexander Hamilton, primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos. A obra dura quase três horas, e apesar de ser uma produção incrível de começo a fim, eu só entendi o propósito de Lin-Manuel Miranda com a reprodução dessa história no final, quando o foco muda completamente para a esposa do personagem principal.
Não quero falar mais para não dar spoiler, mas quando escutei a frase “who lives, who dies, who tells your story?” sobre Eliza Hamilton eu lembrei da minha missão com o basquete feminino desde quando entrei nessa jornada: contar a história de mulheres incríveis e fazer jus à vida que elas viveram.
Eliza Hamilton, esposa de Alexander Hamilton, responsável por preservar a história genial e controversa de seu marido e uma das fundadoras do primeiro orfanato privado de New York City, o qual existe até hoje com uma estrutura de primeira classe para crianças até o último ano escolar. Após a morte de Alexander, em um duelo de armas com o então vice-presidente dos Estados Unidos, Aaron Burr, cuidou das finanças da família tirando-os da falência.
Hoje, na edição extra dessa newsletter, essa missão será cumprida de maneira dupla: vou contar a história da primeira mulher que contou a história das primeiras mulheres do basquete feminino brasileiro! Sigam lendo para conhecer Claudia Guedes, autora do livro Mulheres à Cesta, cujo site, segunda edição do e-book e documentário inédito serão lançados em breve.
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Sem mais delongas, vamos ao que interessa…
Quem veio antes de nós?
Se hoje nós, mulheres, temos a oportunidade de trabalhar fora de casa, votar, exercer funções de liderança e simplesmente transitar com liberdade entre cidades e países, devemos eterna gratidão a algumas pessoas que vieram antes e abriram esses caminhos através de muita luta. No basquete não é diferente. Inclusive, conhecer essa trajetória nos ajuda a entender como chegamos ao estado da modalidade hoje no Brasil.
Mais importante, porém, é valorizar e dar créditos a quem teve a audácia de praticar o basquete quando esse era, literalmente, um crime para mulheres. E é com essa ideia que Claudia Guedes, Diretora de Pesquisas no Departamento de Educação da San Francisco State University, nos agraciou com a obra Mulheres à Cesta, um livro que conta a história da seleção brasileira entre 1892 e 1971, agora também transformado em documentário.
Norminha e Delcy, duas atletas da primeira seleção brasileira, em uma das gravações para o documentário Mulheres à Cesta
“Nós queremos conscientizar e inspirar”, disse Claudia Guedes. “O objetivo é conscientizar os fãs veteranos do basquete sobre o trabalho incrível que as mulheres daquela seleção fizeram, e inspirar a nova geração a contar não só essas histórias, mas criar sua própria para as gerações que estão por vir”.
O processo inteiro, da ideia à publicação do livro, até a finalização do documentário, é um exemplo do desafio que é ser mulher no esporte e expandir o conhecimento sobre basquete feminino. Profissional da área de educação, Claudia não trabalhou em jornais ou revistas, mas sempre na sala de aula ou nas quadras, seja como professora de Educação Física, no ensino básico, ou Antropologia em universidades.
Seleção brasileira de 1956 (Facebook: Mulheres à Cesta)
Em 2005, quando começou o processo de pesquisa, redes sociais ainda estavam longe de ser o que são hoje. Financiamento coletivo também não era uma realidade. Quanto às editoras? Bom, Claudia conta como experimentou, em primeira mão, a rejeição de um trabalho impecável por puro machismo:
“Eu tentei vender o projeto do livro para algumas editoras, mas sempre recebia as mesmas respostas. Me diziam que se fosse sobre o Oscar (Schmidt) ou a seleção masculina até teriam interesse, porque acreditavam que só assim conseguiriam obter lucro. Ou então, se fosse para insistir no basquete feminino, queriam que eu trocasse o tema para falar sobre (Magic) Paula e Hortência”.
A alternativa que Claudia encontrou foi usar recursos próprios, a maior parte oriunda da venda de um apartamento no qual não morava mais no Brasil. A partir daí, foram inúmeras horas de pesquisas. A maioria diretamente com atletas, através de entrevistas, e avaliação dos materiais originais do basquete feminino brasileiro.
Arte de divulgação do trabalho no Facebook, com atletas da seleção brasileira
Fotos, cartas, súmulas e arquivos vindos de clubes, federações estaduais e da Confederação Brasileira de Basquete foram todos acessado presencialmente, o que a levou a inúmeras horas na estrada. Caso contrário, tinha que esperar por trocas de fax. Isso tudo em torno de 2005, quando escanear arquivos ou correio com entrega na manhã seguinte não era ainda uma realidade ao acesso de todos.
A insistência também é uma das marcas registradas do processo de preparação do livro. Para conseguir o contato das jogadoras que seriam perfiladas, Claudia precisava entrar em contato com as federações dos estados onde essas haviam jogado e contar com a sorte de os dados estarem atualizados.
Uma das ex jogadoras mais difíceis de ser contactada, porém, foi Simone Bittencourt. Se o nome soa familiar é porque essa é, sim, a cantora Simone, que fez parte da origem da seleção de basquete feminino no Brasil.
“Foi bem difícil conseguir entrar em contato com a Simone. Tentamos falar com sua relações públicas, mas nunca conseguíamos uma resposta positiva. Até que uma pessoa me disse que tinha o endereço dela, então resolvi tentar. Daqui de San Francisco enviei uma carta para sua casa contando sobre projeto e perguntando se poderia entrevistá-la. Não muito tempo depois recebi uma ligação e quem estava do outro lado? Ela mesmo, a Simone”.
Simone sendo entrevistada no processo de produção do documentário. Dessa vez, com muito mais tecnologia disponível do que em 2005! (Facebook: Mulheres à Cesta)
Com os desafios tecnológicos da época, Claudia teve menos de 15 minutos para poder montar o seu gravador e não perder um único aspecto da conversa.
“Naquela época não era ainda como hoje, que conseguimos gravar só clicando na tela do celular. Quando a Simone me ligou e disse que poderia conversar naquele exato momento eu tive que pedir para que ela esperasse alguns minutinhos para eu poder colocar todo o equipamento a postos. Eu tive que posicionar o aparelho de telefone com a saída de áudio em cima do gravador e de alguma maneira escutar e fazer perguntas”, lembra a autora, que ainda afirmou que o ícone da música brasileira é muito saudosa de seu tempo como atleta e adora conversar sobre isso.
Outro nome que precisou de um pouco mais de trabalho para ser encontrada foi o de Zilda Ulbrich, a Coca, cuja história é a primeira a ser contada no livro. Na ordem do sumário, as jogadoras perfiladas são: Coca, Angelina Bizzarro, Simone, Cleonice, Maria Elena Cardoso, Maria Helena Campos, Norminha, Nilza, Marlene, Delcy, Jacy, Elza, Odila, Benedita, Nair e Laís Elena.
Seleção brasileira de basquete feminino do começo dos anos 90 (Foto retirada do livro Mulheres à Cesta)
Depois de finalizar o livro, Claudia infelizmente não pôde colocar todas as suas cópias à venda devido a problemas técnicos na produção. Mas o sonho de publicá-lo novamente não havia acabado. Apesar de ter tido que colocar o projeto um pouco de lado para seguir com seus compromissos profissionais, o amor pelo basquete feminino, pelas histórias contadas e pela ideia de honrar mulheres incríveis seguiam muito vivos na mente da autora.
Tanto que, o orgulho pelo que havia feito o foi compartilhado com sua mentora, Roberta J. Park, uma de suas professoras na University of California, Berkley, que virou mentora profissional e de vida da brasileira. No ano de 2018, Park faleceu e deixou uma surpresa para Claudia.
“Eu jamais esperava isso, mas ela me deixou uma certa quantidade de dinheiro em seu testamento para que eu pudesse fazer o tão sonhado documentário do Mulheres à Cesta. Quando eu cheguei aos Estados Unidos ela não só me orientou na vida acadêmica. Roberta cuidou de mim como se fosse minha mãe. Me abrigou e garantiu que eu não tivesse falta de nada. Mesmo depois de morrer garantiu que eu pudesse realizar um sonho”, afirmou a escritora.
Os olhos de Claudia brilham sempre que fala sobre Roberta Park e seu orgulho de ter sido sua pupila pode ser sentido mesmo através de uma tela do Zoom. Esse sentimento, hoje, se tornou realidade e em breve estará à disposição do público. No dia 6 de setembro, o documentário Mulheres à Cesta será lançado no site oficial do projeto.
As responsáveis pelo documentário Mulheres à Cesta
O longa teve Roteiro e Direção de Silvia Spolidoro e Hellen Suque, com Produção Executiva da própria Claudia Guedes. O trio de mulheres fantásticas entrevistou um elenco igualmente fantástico: Magic Paula, Hortência, Norminha, Maria Helena, Heleninha, Delcy, Simone e outros especialistas de basquete feminino.
Para qualquer fã de esporte, ler o livro e assistir esse documentário é enriquecedor. Já para fãs do basquete feminino, ler o livro e assistir esse documentário é essencial. E enquanto esperamos pelo seu lançamento, fica aqui o teaser!