0 vitórias e 9 derrotas: não foi política ou religião que afastou José Neto e sua equipe da seleção brasileira
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O que é esperado de uma comissão técnica? Conhecimento? Claro. Estratégia? Com certeza. Levar seu time ao título? Óbvio. Compreender as necessidades pessoais, profissionais, econômicas e sociais das jogadoras as quais comanda? Ah…
Talvez esse último não seja um requisito direto na descrição da vaga de emprego de técnico de uma seleção nacional, mas certas coisas não precisam ser ditas. Essa qualidade é essencial para se atingir resultados tangíveis, e não seria exagero ou apenas especulação concluir a falta dela levou José Neto e sua comissão técnica a falhar piamente na missão de colocar o Brasil de volta no patamar de candidato a títulos intercontinentais.
Leão regional, cordeiro intercontinental
José Neto assumiu a seleção brasileira em maio de 2019, e na ocasião disse ao ge.com que “a ideia é que a gente possa […] criar uma nova maneira de chegar ao êxito […] Não é chegar e colocar tudo do jeito do José Neto. É um processo”. Hoje, cinco anos depois, a campanha do Brasil de zero vitórias e nove derrotas em pré-olímpicos e pré-mundiais escancaram uma sucessão de decepções e ausências de resultados.
No Pré-Olímpico de Belém em fevereiro deste ano, a expectativa era de que a passagem para Paris estava mais garantida do que nunca. No entanto, a seleção não ganhou um jogo sequer, terminou com duas das piores médias de fundamentos entre os quatro participantes da sua sede (63,7 pontos e 39 rebotes por jogo) e perdeu a vaga olímpica em uma partida contra a equipe com o pior aproveitamento de quadra (Alemanha, 34,8%).
Nada muito diferente dos classificatórios anteriores. No Pré-Olímpico de Bourges de 2020 (0-3), o Brasil deu o azar de cair no grupo da Austrália e da França, e inesperadamente perdeu para Porto Rico, décimo-primeiro colocado no ranking da FIBA e selecionado com as piores estatísticas do torneio. Em seguida, no Pré-Mundial de Belgrado de 2022 (0-3), sofreu revezes contra o décimo (Sérvia) e o décimo-terceiro (Coréia do Sul) colocados do ranking mundial, além de terminar com as médias mais baixas em pontos (65,3) e aproveitamento de lances livres (69,6%).
Fora das quatro linhas, José Neto também deu bola fora. Na primeira coletiva de imprensa em Belém, o comandante passou quatro longos minutos elogiando enfaticamente o governo do Pará, o Comitê Olímpico Brasileiro e a Confederação Brasileira de Basketball, antes de demonstrar confiança em suas atletas. Ainda assim, não sem adendos. Com ares de premonição, afirmou que qualquer resultado negativo seria sua responsabilidade e que não sabia se o melhor da seleção brasileira seria o suficiente para conquistar uma vaga devido ao alto nível da competição.
Por isso, quando o preparador físico Diego Falcão foi desligado da CBB na semana passada após causar desconforto entre jogadoras e comissão técnica devido ao compartilhamento de três posts relativizando gravidez em casos de estupro e deslegitimando o direito ao aborto, seu discurso nas redes sociais de que não havia falhado profissionalmente soou um tanto paternalista.
Logo em seguida, José Neto pediu demissão alegando solidariedade com seu amigo. Em um post em sua conta do instagram, o ex-técnico da seleção afirmou ter tomado essa decisão para seguir princípios e valores da sua fé católica. O “preparador mental” Ricardo Borin decidiu seguir o mesmo caminho.
O papel do Beta Basket nisso tudo
À medida que a situação se desenvolvia, o Beta Basket agiu proativamente para investigar o caso e exigir ações afirmativas da CBB. Um dia depois dos posts de Diego Falcão, o veículo fez um post denunciando suas falas e pedindo por explicações a envolvidos diretos com a liderança do basquete feminino nacional. Em menos de uma hora, apuramos e divulgamos com exclusividade que o preparador físico estava prestes a ser demitido, e que José Neto aproveitaria a situação para sair pela porta da frente.
O papel do Beta Basket foi baseado em dois princípios básicos do jornalismo: watch dog e quarto poder, ambos relacionados à responsabilidade de profissionais da imprensa de proteger os principais afetados por decisões de líderes em cargos públicos. Nesse caso, agimos de acordo com o que seria mais apropriado para a proteção das jogadoras.
A seleção brasileira é formada por 12 jogadoras. 12 mulheres. Dessas 12, apenas três tem a pele clara. As restantes fazem parte de grupos de alto risco de violência no país.
Um estudo de 2023 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2023 mostrou que dentre as mulheres que sofreram violência, 65,6% eram negras, 29% brancas, 2,3% amarelas e 3% indígenas. Outro dado divulgado diz respeito ao tipo de violência sofrida, com cerca de 5,8 milhões de brasileiras (9%) tendo sofrido ofensas sexuais ou tentativas forçadas de manter relações sexuais.
Como, então, o técnico e parte de sua comissão técnica podem garantir a segurança e das atletas as quais representam, se preferem manter posicionamentos contrários aos seus direitos? Não é uma questão religiosa ou política. É questão de saúde pública.
O futuro da seleção brasileira
Com mais uma competição classificatória em menos de dois meses, a CBB tem uma decisão de suma importância pela frente: quem vai assumir o comando da seleção brasileira de basquete feminino?
O Beta Basket apurou dois nomes prováveis para o desafio: João Camargo e Pokey Chatman. Porém, nada está definido, e a CBB tem a oportunidade de tomar uma decisão focada exclusivamente nas necessidades das jogadoras.
É necessário que a confederação finalmente coloque uma mulher no comando. Uma mulher que tenha experiência com basquete feminino. Na mesma coletiva na qual José Neto minimizou a capacidade de suas jogadoras de conquistar uma vaga olímpica, ele também falou sem vergonha alguma que quando assumiu a seleção não sabia nada da modalidade. Será que uma mulher passaria impune ao dizer isso publicamente? Muito provável que não.
A esperança de que a CBB finalmente faça algo que ajude a colocar o Brasil de volta ao patamar de potência mundial existe, mas a verdade é que os fãs não colocam muita fé na entidade. Tal qual um certo Los Angeles Lakers contratou um homem sem experiência alguma enquanto franquias da NBA colocaram todo e qualquer empecilho para que Becky Hammon fosse contratada como head coach, é mais provável que outro homem com histórico no masculino e desconhecimento do feminino assuma o comando da seleção do que alguém que entenda as necessidades esportivas e emocionais das atletas.
De qualquer maneira, o Beta Basket estará aqui para lutar pelo que é certo.